Aos 96 anos, estava alí, sentada, cuidando dos vasinhos de flores. Já haviam sido feitos por ela mesma há pelo menos mais de um ano, e estava recompondo-os.
Como ficam expostos nas mesas do restaurante, onde a frequência em grande parte é de enamorados, é natural que muitas flores sejam arrancadas para cuidar do jardim de alguém.
Vi também crianças arrancá-las, para fazer um novo arranjo e entregar à suas mães dizendo: ”mamãe, fiz pra você!”
E as mães naquele momento, recebendo esse aguar de amor, ficavam revigoradas, como normalmente ficam as rosas, cuidadas, mesmo que em um vaso de flores, a florir a vida de alguém.
Ela, às vezes reclamava que ninguém estava a cuidar dos vasinhos com as flores. Mas logo em seguida dizia, que era assim mesmo, e que elas, as flores, estavam ali mas ia ser sempre assim, alguns iriam estragá-las. Pelo menos, quando faziam a alegria de outro alguém, estava tudo bem!
Mas preciso esclarecer uma coisa. Os vasinhos foram feitos por ela mesma. Ajuntou embalagens de margarina, vejam que isso exige perseverança para realizar o belo. Mas enfeitou cada vasinho. Saiu a comprar papel contact, aprendeu como deveria cortá-lo para bem se adaptar ao formato desigual da embalagem. Também foi comprar areia branca, e pedrinhas coloridas, pedrinhas mais lindas, que crianças quando as viam, queriam tirar várias para colecionar. As flores, que delicadeza, cada uma mais linda, e juntas formavam arranjos harmoniosos, simples e repletos de zelo a oferecer para quem tem olhos para “sentir”. Quando cheguei, quis logo participar do seu fazer. Reclamou que essas pessoas com essas bobagens e crendices, haviam enchido seus vasinhos de cravos, e eles estavam dando bastante trabalho para ela tirá-los, e o mais esquisito, é que em todos colocaram cravos, com essa crendice.
Depois de pensar um pouco, eu disse a ela minha conclusão. Não se tratava de uma crendice, e sim de uma estratégia. Os cravos foram colocados, para espantar mosquitos e formigas.
O que achei mais interessante desse episódio dos cravos, foi que depois, ainda cuidando do seu jardim de vasinhos ela comentou que – agora que entendi a finalidade dos cravos, não estou mais fazendo questão de tirá-los, eles também tem uma finalidade.
A grandeza dessa fala, é que percebi que a florista não era uma rosa murcha. Aos 96 anos era uma rosa a cuidar ela própria do seu interior. Também ela, para criar o belo para a convivência dos demais, procurava aceitar as novas percepções da realidade. Assim cuidava também dos jardineiros de cravos.
O importante a ressaltar, é que, durante o processo de cuidar das flores dos vasinhos, ela também comenta sobre o tempo em que dava aula para criancinhas pequenas, por volta dos 5 anos de idade.
Era freira, Clarissa Franciscana. Uma organização religiosa católica da Itália. Ela foi enviada para o interior de Minas e de São Paulo, para criar sabem o quê???
Jardins...Jardins de infância. Um jardim, onde os pais deixam seus filhos para floristas cuidarem, meninos e meninas. Quando ao final do dia os pais vão buscar seus filhos, encontram flores radiantes de belas e felizes, na maior algazarra, flores que gritam e correm, que esbarram e caem e às vezes choram por conta de um espinho de uma rosa em suas brincadeiras a atrapalhar.
Ela me contou um dia que ao chegar uma criança que não estava muito a fim de ficar naquele jardim, a mãe da criança perguntou: meu filho, mas porque você não quer ficar aqui com a professora?
A criança prontamente respondeu: é porque ela tem cara de maçã.
Eu nunca havia pensado que floristas que cuidam de flores, cravos, rosas, flores do campo e tanta diversidade ainda nem desperta, também elas mesmas, tivessem cara de frutas. Sim, porque aquela achava que essa florista tinha cara de maçã, mas e as outras variedades de floristas? Cada qual com sua potencialidade. Quase nada diante da diversidade de jardins, de crianças, de flores, de percepções de mundo, de qualidades de areias, de águas e terras.
Fiquei pensando no trabalho das floristas. Cuidar de toda essa diversidade, e com muita alegria, para fazer a alegria de muitos, que bem cuidadas farão a alegria de muitos outros, eternamente, sim! Porque todos querem uma mudinha de um lindo jardim.